Entre laços

 

 Era uma vez duas garotas, duas garotas pequenas, infantis e risonhas, que compartilhavam a mesma idade, diferença de pouco mais de dois meses, a primeira nascida em novembro de 1994, a segunda em janeiro de 1995. A de 94 tinha um jeito único de ser, até seu cheiro era especial, um sorriso fácil, um carisma invejável, uma energia de menina com falas de mulher, a de 94 parecia brincar de gente grande, queria sempre a liderança, mas era merecido, na cabeça rodava ideias mirabolantes e no terreno em frente á sua casa acontecia as melhores brincadeiras, a de 94 tinha amigos, mas poucos que á entendia, que á aceitava, a de 94 ás vezes se sentia só.

Na outra rua existia a segunda menina, meio voada, distante, com ar de Pícara Sonhadora, um jeito inseguro e retraido. Tinha medo de tudo e de todos! com apenas cinco anos parecia carregar o mundo nas costas, nas costas não, na cabeça, um mundo fertil que revelava á pouco. Ah, a de 95 parecia um bichinho do mato, pobre menina. Mas tinha amigos, tinha irmãs, tinha familia grande, mas na maior parte do tempo brincava só.

As duas, tão diferentes entre si, encontraram na amizade um caminho sem volta, em meio á panelas de mentira e tarde que nunca parecia ter fim as duas crianças criaram laços fortes, sem nem se darem conta disso. A de 94 e de 95 esqueceram as diferenças, os medos e deram fim á solidão, a de 94 corria, pulava, brincava, mas parava, parava quando a de 95 falava, estorias por cima de estorias, enredos de gente grande na cabeça daquela menina tão pequena.

O tempo passou, a de 94 cresceu, e se mudou, a de 95 ficou, na memória o sorriso da amiga, a promessa do reencontro. Os anos foram longos, decisivos, a de 94 perdeu o jeito de muleca, se concentrou nos saltos, o sorriso continuava lindo, mas sem o velho ar de sinceridade infantil, a de 94 "amadureceu", a lingua ficou mais tempo dentro da boca, de tanto ouvir que era "metida" ficou humilde, agora parava pra ouvir mais, aprender mais. A de 94 mais era mulher que menina.

A insegura garota da outra rua, nascida em 95, tampouco era a mesma, seu novo "jeito" causou estranheza. A de 95 aprendeu, na marra, o preço da timidez e insegurança, foi iludida, machucada, sofreu decepções e aprendeu á não confiar tanto nas pessoas, viveu coisas imagináveis e retraiu uma pequena parte de si. A de 95 chorou com mais frequência, a garotinha séria deu lugar á mulher problemática, a de 95 fingiu ser forte até que conseguiu entrar na própria farça, tirou o mundo da cabeça e o jogou nos cadernos, em uma página na web, em um canto qualquer. Agora, mais leve, a de 95 sorri com mais firmeza, mais frequencia, tem de sobra o que faltou quando era menina. Não usa vestidos e ama sapatilhas, ouve bandas barulhentas e faz zuada e bagunça por tudo, as inseguranças, amarguras, incertezas, infelicidades desconta nos textos escritos na madrugada. É um jeito de se sentir mais leve.

E agora, proximas uma da outra, a de 94 e 95 se olham, estranhando, absorvendo, "ela está meio doida" pensa a de 94, "ela está mais legal" sorri a de 95, mas o abraço continua o mesmo, as irmãs de barrigas diferentes continuam, cada uma vivendo o próprio mundo.